Alma Novaes

 



Vaticino insónia 


Pergunto aos anjos sobre ti se te vou 

voltar a ver, e se não, quando te vou esquecer



E os anjos teimam em não me responder

Ao invés disso, recebo sincronismos

e sinais maiores de sorrisos que hei-de dar, 

um dia e vou olhando as tuas fotografias


Ontem, durante o meu sono curto e contrariado

e só atingido via exaustão, assisti ao meu funeral,

bonito, chovia uma chuva leve, orvalho de S. João,

era um dia de Inverno e, provavelmente, final do dia.

Sem dor, pude ver um ford preto antigo 

onde o meu corpo seguia; nas laterais os meus filhos

e, atrás, gente que não conhecia e a mim nada doía. 

E sim, sabia que tinha partido. Em paz.



Pergunto a Rafael por ti, ele diz-me que 

olhe para quem está ao meu lado.


Ao meu lado, estão os meus fantasmas.

o bisavô, o avô Rodrigo e o meu pai

Nunca estive só, porém quão grande 

pode ser a consternação, quão pesada 

esta constatação de te não ter a ti.


Vivo em solitude e não me sinto só,

 Falta de nada e nem de ninguém,

Vivo em regime de pseudo-existência

Só não estás tu e tu fazes-me falta!

e quão grande é, o resto parece diminuto


Hoje vi os barcos em Entre-os-Rios, 

o meu semblante circunspeto 

e a minha tristeza, um grito

Hoje senti-me só no vazio da saudade

no estreito da verdade, um café

amargo e bruto

tomado em companhia da sombra

que já sou, só um vulto


E o dia vai se erguendo e eu 

não compreendo que buraco é este

onde caí, porque caí

e não me surpreende mais a vida

mais do que esta ferida

aberta em falso sinal de fim.


Sonho acordada que me convidas

para um café, uma francesinha

uma conversa alinhada entre o hoje

e o amanhã, mas sou eu a sonhar

e o dia clareia e nada acontece

nem um arbusto estremece revoltado

pelo sonho não se tornar realidade


E vou aguardando o carteiro que teima

em empurrar a data do meu julgamento,

para o cúmulo da minha ansiedade

E volto a fechar as portadas,

e a deixar-me cair em lágrimas 


e grito baixinho para mim que na 

próxima encarnação não quero sentir amor

e nem o desamor de ninguém.

E enquanto fumo mais um cigarro

e me preparo para a deita

olho mais uma vez os teus olhos

e peço a Deus auxílio no sono

e uma nova receita para te esquecer.











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