No primeiro tempo




O sol quase me fura os olhos. Sempre fugi á luminosidade intensa. Com óculos de sol. Mas não os trouxe comigo. Enquanto ele me diz que procure a origem do problema, eu meneio a cabeça negativamente. Continuo a menear. Não porque me recuse, mas apenas porque dali não saem respostas visíveis. O sol continua a invadir o espaço, furando agora por entre as videiras de uva padeira que ela tinha no quintal. Tinha. Ela já não tem. Embora não a conheça, da mesma forma que o conheço, sei-a morta há muito. Ela está morta, mas por certo, a videira continua lá exposta à fúria e mansidão do tempo que nunca tem compaixão por nada nem por ninguém. Os quintais não morrem, sei-o, hoje. E hoje eu apago o cigarro naquele chão, onde ainda posso recordar, com clara exatidão os meus ténis gastos e confortáveis, a calça de ganga de quase-todos-os-dias e o meu cabelo bonito e claro, mais claro ainda de sol puxado num rabo-de-cavalo prático (e o próprio menear de que lhe falo). Ali, naquele quintal de quinze anos atrás, não havia respostas ás perguntas feitas por ele. Nem por mim. Só o som das vozes dos idosos que aguardavam vez. E o menear de cabeça recorrente que imprimia ritmo ao meu ténis na terra seca, encostada ao tanque de sombras que estava, como se o meu corpo pudesse pesar eternidades. Pedi-lhe que me trouxesse de volta, a hoje, a esta sala fresca e confortável, ao subir e descer dos sons célticos. Mas queria mais. E o rosto imerso de água da minha tia outrora nova mas para mim velha - que com 30 anos todos as pessoas são velhas no entender de pessoas de 20 - com olhos semicerrados onde ondulam apenas cabelos negros, grossos e lisos assusta-me, caindo ao lado de um outro rosto que não hei de esquecer, nem que viva mil anos. Perdão, mil vidas. Ou está aqui uma grande mentira, ou por outro lado, uma espécie de chave pra todo o resto? Não sei, mas sinto o medo nos poros da minha pele.

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